Quando fiquei grávida da Carmen, Gabriel disse que queria muito ter uma irmã, que havia 8 anos que ele queria que eu desse um irmão para ele. Eu imaginei que ele ia ser um irmãozão, que como ele já está adolescente ele ia amadurecer mais com o nascimento dela, me ajudar a cuidar dela e eles iam crescer juntos. Ele ia se tornar rapaz, ela ia se tornar uma menininha com um irmãozão.
A realidade foi outra: gritos. Gritos demais. Gabriel passou a desrespeitar e desobedecer todas as regras da casa e da famÃlia. O perÃodo em que eu passei em Curitiba, em que ele ficou sozinho com o Rafael e depois com a tia do Rafael e a minha mãe foi o inÃcio do caos. E mesmo Gabriel tendo realizado tudo o que ele queria (a Carmen nasceu enquanto ele estava em Curitiba, ele pôde visitá-la na maternidade), faltou algo. Apesar de ter quase 13 anos, ele regrediu brutalmente. Passou a gritar e pular na cama enquanto eu amamentava a Carmen para tentar chamar a atenção para ele. Eu ficando nervosa e me vendo obrigada a gritar com ele para parar, a Carmen mamando mal e vomitando ou ficando com cólicas na sequência e querendo colo o dia todo por causa disso. Mal Carmen dormia e eu dizia pro Gabriel pra gente aproveitar que ela tava descansando para a gente fazer alguma coisa juntos, ele gritava até ela acordar de novo, nem cinco minutos de descanso. Carmen no colo, ele pulando pela casa e quebrando coisas e tropeçando e reclamando que eu não me importava quando ele se machucava (com ele se machucando de propósito), não respeitando castigo nem nada nem me dando descanso.
Consulto um médico atrás do outro, dizem que ele tá bem medicado e para continuar com o neurologista atual, e com relação à escola ele parece estar. Apesar das notas terem despencado enquanto eu estava em Curitiba, na escola e no reforço escolar ele só recebe elogios. É de enlouquecer! Ele torna um inferno todo dia de manhã acordá-lo para ir para a escola, e todo dia que ele precisa ir para o curso, e se recusa a ir à natação. De tanto ele faltar à natação e ao curso, acabo cancelando as aulas. Mais tempo com o Gabriel em casa, eu mal descanso com a Carmen durante o tempo em que ele está na escola e já fico receosa de como vai ser quando ele chegar da escola. Alguns dias tenho medo mesmo, quando a gente briga mais forte, que ele não volte para casa. Mas ele sempre volta, e de tarde tudo até fica bem, mas conforme a noite vai chegando ele vai ficando mais agitado. Quando Rafael chega em casa, o caos está instaurado e eu não consegui fazer absolutamente nada que não fosse cuidar da Carmen e apagar incêndios.
Todo mundo diz que ele está com ciúmes da Carmen e que isso é normal, que temos de ter paciência. Ninguém está dentro da minha casa para ajudar e ninguém ensina como lidar com um garoto de 12 anos hiperativo em crise apresentando sintomas de transtorno opositor-desafiador. Eu temo pelo desenvolvimento da Carmen. Quero criar minha bebê num ambiente calmo, minha casa é um inferno tão grande que tem dias que eu deixo ele sozinho e vou andar com ela de carrinho sem querer voltar para dentro da minha própria casa, perdida, sem saber o que fazer. Eu me sinto um fracasso como mãe. Ele não me obedece e não respeita o que eu falo para ele. Ele não aceita limites. E eu me sinto muito, mas muito sozinha mesmo em SP, longe dos meus amigos, sem ter com quem conversar e dividir essa barra.
Começo a levar ele para a terapia de grupo, mas quando ele volta comigo parece piorar mais ainda em casa. Eu falo para o neurologista que ele fica bem na escola mas em casa está impossÃvel, e pergunto se não dá para dividir a Ritalina em duas dosagens, uma pela manhã e uma quando ele voltar da escola. Ele diz que é assim mesmo, o efeito da Ritalina passa no fim da tarde e que é para ter paciência à noite e de manhã. Eu não acredito nos meus ouvidos mas aceito, o que vou fazer? Ele é o médico. Enquanto isso começo a temer pela minha própria saúde. Escapei da depressão pós-parto, mas sinto que vou entrar em crise a qualquer momento. Minhas forças estão acabando.
Chegam as férias de julho e eu levo ele para o Rio e meus pais resolvem ficar com ele lá. Tem muitas vantagens nisso: a escola custa 1/4 do preço da escola de São Paulo, ele poderá fazer um curso preparatório para a Epcar, meu pai diz que vai colocar ele para ajudar ele na reforma da casa e mantê-lo ocupado e ser rÃgido com ele, ele vai ter a atenção individida dos avós. E ele está FELIZ lá, nem está olhando para trás, reencontrou velhos amigos e está se divertindo.
Mas eu olho para o quarto vazio, para este apartamento que eu escolhi pensando nele, penso na escola, nos amigos, no quanto eu lutei para criar ele ao longo de todos esses anos, vejo as fotos dele espalhadas pela casa, em idades diferentes, e tem um buraco no meu peito que não para de doer. Eu queria meus dois filhos do meu lado. Eu sei que em dois anos ele ia fazer a prova e ir estudar em Barbacena de qualquer forma, que ele ia ter de voar e correr atrás dos sonhos dele de ser piloto da FAB. Eu sei que a Carmen é nova demais para entender o caos em casa e os gritos e que isso não é ambiente para criar bem um bebê. Eu só não sei o que eu faço com meu coração e como eu paro de chorar, por tudo que não é e tudo que não foi e tudo que não vai ser.
Oi flor.. Eles vão embora, mais cedo ou mais tarde, um dia eles vão. Eu sei que é cedo, e que dói, mas é o melhor para todos no momento. Outra, vc não sabe se ele não resolve voltar.. Te acalma mamãe, ele tá lá, mas ainda é parte tua. E sempre vai ser.
Fica bem, tá? Beijo!
Lanika, nem sei como consegui terminar de ler seu relato, porque dá para sentir quantas vezes você quis parar tudo, sumir ou parar o tempo e talvez por alguns minutos não ter nada para pensar. Muito amor para você, queridona! Muito amor e um quentinho nesse coração dolorido. Gabriel está muito seguro com seus pais, na sua cidade natal. Talvez ele se conecte muito mais com você agora que está num pedaço do seu passado do que no seu presente entre fraldas e laços.
Sei que as vezes um comentário num blog não adianta nada, mas desejo muito amor nesse coração enorme de mãe.